segunda-feira, 5 de julho de 2010

Matéria Especial

México 1968: manifestação que virou massacre


Os corpos amontoados foram recolhidos por um caminhão de lixo no dia seguinte


A Olimpíada estava chegando: faltavam apenas dez dias para o seu início. A expectativa dos mexicanos pelos Jogos Olímpicos de 1968 foi interrompida quando estudantes com o intuito de chamar a atenção do mundo, devido às competições esportivas, fizeram manifestações na Praça das Três Culturas em 2 de outubro, em Tlatelolco, um bairro tradicional ao Norte da Cidade do México. Uma tragédia estava para acontecer.
Meses antes, a estabilidade política do México já havia sido atingida pelas manifestações estudantis. Em seguida, militares, a pedido do presidente da República, Gustavo Díaz Ordaz, invadiram o campus da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), onde espancaram os estudantes, na tentativa de combater as manifestações. No dia 2 de outubro, os protestos se transformaram em greve, contra a invasão militar na Unam.
Trabalhadores acompanhados por suas mulheres e filhos, juntamente com os estudantes, foram em direção a um bloco de apartamentos situado à Praça das Três Culturas, com cravos vermelhos, pedindo liberdade. Ao entardecer, a polícia e os militares deram início a um massacre, atirando nos estudantes e ferindo outros que não participavam da manifestação. O massacre continuou durante a noite, quando soldados buscavam pelos prédios mais manifestantes.
Até hoje, não se sabe o número exato de mortos, entre estudantes, trabalhadores e crianças. Alguns tiveram ferimentos e uma boa parte foi detida. Algumas fontes apontam para mais de mil mortos, enquanto o governo afirmava que foram apenas quatro mortos e 20 feridos. Outra informação é de que, na explicação oficial do governo para o ocorrido, havia provocadores armados, que se misturaram aos manifestantes e iniciaram os disparos. A polícia, portanto, teria respondido como defesa.
"Os governos de Díaz Ordaz e seu ministro Luís Echeverría Álvarez sempre alegaram que o episódio de Tlatelolco foi uma resposta à ameaça de um movimento comunista internacional para ocupar o país”, afirma Wladir Dupont, jornalista brasileiro que viveu no México nas décadas de 60 e 70 e está radicado no país desde 1995. Tradutor de livros de Octavio Paz, Mario Vargas Llosa e William Faulkaner e ex-redator da antiga revista Visão e da Folha de S.Paulo, Dupont disse também que o movimento comunista no México à época não era forte e os jovens eram comandados por grandes intelectuais.
Um exemplo famoso, apontou, era o do engenheiro e jornalista Heberto Castillo, que participou do movimento estudantil em 1968 e, após ser afastado por mais de seis meses, conseguiu sua liberdade em 1971. “O protesto se deu pelo fato de os estudantes não conseguirem suportar o sistema autoritário mexicano, que vinha desde a revolução de l910”, comentou o jornalista, lembrando que o Partido Revolucionário Institucional (PRI), fundado em 1920, dominou com braço de ferro a política, a economia e a cultura do país até o ano de 2000. Segundo Dupont, os movimentos estudantis não tinham força suficiente para gerar uma crise nacional.
Sobre o motivo das manifestações, Dupont menciona o clima da Olimpíada para chamar a atenção do mundo. Para o jornalista, o massacre de Tlatelolco foi o pontapé inicial para outros movimentos importantes. Cita como exemplo a luta pela liberdade de imprensa, quando Echeverría, já como presidente da República, mandou empastelar o jornal Excelsior, que tinha uma posição muito crítica em relação ao governo.
Muitos jornalistas saíram da empresa e fundaram outros meios de comunicação, como a revista Proceso, considerada a mais importante. “Nunca mais a imprensa mexicana seria controlada como antes”, afirmou. Foi o candidato da oposição Vicente Fox quem acabou com o reinado do PRI nas eleições presidenciais de 2000, quebrando um domínio de 71 anos do partido. Com isso, a imprensa pôde ter liberdade para publicar o que quisesse, sem sofrer represálias do passado.
Em 1997, o Congresso Mexicano montou uma comissão para a investigação do caso. Algumas figuras políticas foram entrevistadas, tais como o antigo presidente da República Luis Echeverría Álvarez, que era ministro no governo de Diaz Ordaz em 1968. Echeverría disse que a ação militar foi planejada. Já em 2003, documentos da CIA, Pentágono, FBI e Casa Branca, publicados pelo National Security Archive, da George Washington University, deram conta da ajuda dos Estados Unidos no trabalho de segurança durante os Jogos Olímpicos de 1968.
O Pentágono forneceu equipamentos de comunicação, armas e munições. A agência de inteligência CIA, na Cidade do México, produziu relatórios diariamente, com o intuito de acompanhar as ações dos estudantes e do governo no período de julho a outubro. O presidente Echeverría foi condenado à prisão domiciliar em junho de 2006, mas foi libertado da acusação de genocídio no mês seguinte.

CARLOS FUENTES

Para descrever o que houve no México, o escritor Carlos Fuentes colocou sua experiência como testemunha do massacre de Tlatelolco no livro Em 68 – Paris, Praga e México, obra lançada no Brasil pela Editora Rocco, do Rio de Janeiro, como parte das comemorações dos 40 anos de Maio de 1968. Carlos Fuentes participou de três episódios marcantes naquele ano: as barricadas de Paris, em maio; a Primavera de Praga, em setembro; e o massacre de Tlatelolco, na Cidade do México, em outubro.
Segundo Fuentes, “a democracia mexicana não existiria se não fosse pelos acontecimentos estudantis”. Para ele, mesmo perdendo, os universitários trouxeram benefícios à comunidade mexicana a longo prazo.
No livro, Fuentes diz que “1968 foi um desses anos-constelação nos quais, sem razão imediatamente explicável, coincidem fatos, movimentos e personalidades inesperadas e separadas no espaço". Quando houve o massacre de Tlatelolco, Fuentes estava fora do país. Contudo, quando ficou sabendo do ocorrido, decidiu retornar imediatamente ao México. Para relembrar os 40 anos da tragédia em Tlatelolco, o escritor mexicano compilou três dos seus textos sobre o ano de 1968, formando o seu último livro.

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